Conforme a Nota Técnica 91/2024, o início da utilização da CID-11 no Brasil está previsto para janeiro de 2027, em razão das etapas de atualização dos sistemas de informação e a capacitação dos usuários e publicização.
Já é possível se capacitar sobre as inovações da CID-11, por meio do curso on-line “Manual de Capacitação da CID-11”, desenvolvido pelo departamento de Evidencia e Inteligência para Ação na Saúde da OPAS.
A CID-11 é a décima primeira revisão da Classificação Internacional de Doenças. Substitui a CID-10 como padrão global para registrar informações de saúde e causas de morte. Trata-se de um instrumento de autorrelato desenvolvido para a avaliação dos traços patológicos da personalidade conforme o modelo dimensional.
O Diagnóstico Dimensional em Transtornos Mentais é uma abordagem clínica cientificamente comprovada e pode ser aplicado para qualquer tipo de paciente (crianças, jovens e adultos) bem como para diagnóstico de qualquer tipo de transtorno mental. A CID-11 fornece uma linguagem comum que permite aos profissionais de saúde compartilharem informações padronizadas em todo o mundo. É a base para identificar tendências e estatísticas de saúde em todo o mundo, contendo cerca de 17 mil códigos únicos para lesões, doenças e causas de morte, sustentados por mais de 120 mil termos codificáveis. Usando combinações de códigos, mais de 1,6 milhão de situações clínicas podem agora ser codificadas.
Comparada com as versões anteriores, a CID-11 é totalmente digital, tem um novo formato e recursos multilíngues que reduzem a chance de erro. A Classificação foi compilada e atualizada com informações de mais de 90 países e envolvimento sem precedentes de prestadores de serviços de saúde, permitindo a evolução de um sistema imposto aos médicos para um banco de dados de classificação clínica e terminologia verdadeiramente capacitador, que atende a uma ampla gama de usos para registrar e relatar estatísticas na saúde.
A CID-11 é a décima primeira revisão da Classificação Internacional de Doenças. Substitui a CID-10 como padrão global para registrar informações de saúde e causas de morte. A CID é desenvolvida e atualizada anualmente pela Organização Mundial da Saúde – OMS. Além das atualizações de codificação e capacidade, a CID-11 inclui novos capítulos sobre medicina tradicional, saúde sexual e distúrbios relacionados a jogos – que agora foram adicionados à seção sobre transtornos aditivos.
A CID-11 foi adotada na Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2019. Os Estados Membros se comprometeram a começar a usá-la para relatórios de mortalidade e morbidade em 2022. Desde 2019, os países que adotaram os primeiros passos, tradutores e grupos científicos recomendaram refinamentos adicionais para produzir a versão que é hoje está disponível.
A OMS continua empenhada em apoiar todos os países à medida que avançam para a implementação e ampliação da CID-11.
O DSM-5-TR é a quinta edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, revisão de texto foi publicado em 2022. Envolveu mais de 200 especialistas, a maioria dos quais estava envolvida no desenvolvimento do DSM-5. Além disso, quatro grupos de revisão transversais (Cultura, Sexo e Gênero, Suicídio e Forense) revisaram todos os capítulos, com foco em material envolvendo sua expertise específica. Um Grupo de Trabalho sobre Equidade e Inclusão Etnorracial garante que a atenção apropriada a fatores de risco como racismo e discriminação e o uso de linguagem não estigmatizante.
O DSM-5-TR inclui um novo diagnóstico, transtorno de luto prolongado e novos códigos de sintomas que permitem que os clínicos indiquem a presença ou histórico de comportamento suicida e automutilação não suicida. Alguns esclarecimentos necessários para certos critérios diagnósticos foram revisados e aprovados pelo Comitê Diretor do DSM, bem como pela Assembleia e Conselho de Curadores da Associação de Psiquiatria Americana – APA.
O DSM-5-TR consiste em três componentes principais: a classificação diagnóstica, os conjuntos de critérios diagnósticos e o texto descritivo. A terceira área do DSM-5-TR é o texto descritivo que acompanha cada transtorno. O texto fornece informações sobre cada transtorno sob os seguintes títulos:
- Procedimentos de gravação
- Especificadores
- Características de diagnóstico
- Recursos associados
- Prevalência
- Desenvolvimento e Curso
- Fatores de risco e prognóstico
- Problemas de diagnóstico relacionados à cultura
- Questões de diagnóstico relacionadas ao sexo e ao gênero
- Associação com pensamentos ou comportamento suicida
- Consequências Funcionais
- Diagnóstico diferencial
- Comorbidade
No DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2002), vários diagnósticos foram agrupados nos Transtornos Invasivos de Desenvolvimento (TID). O diagnóstico passa a considerar pelo menos dois dos sintomas na área de interação social, pelo menos um na área de comunicação e pelo menos um na área de comportamentos restritos, repetitivos e estereotipados. Eles separavam, portanto, a interação social da comunicação e enfatizava mais os aspectos sociais do que as estereotipias ou padrões rígidos do comportamento.
O DSM-5 e a CID-11 entendem o autismo dentro de um único espectro ou categoria, variando em níveis de gravidade, baseado na funcionalidade (DSM-5); ou em níveis de deficiência intelectual e linguagem funcional (CID-11). Além disso, ambos nomeiam o autismo como transtorno do espectro autista (TEA).
O DSM-5 apresenta níveis diferentes relacionados à gravidade do caso, sendo classificados em:
- a) Nível I – na ausência de apoio, há prejuízo social notável, dificuldades para iniciar interações, por vezes parecem apresentar um interesse reduzido por estas, há tentativas malsucedidas no contato social, além da dificuldade de organização, planejamento e certa inflexibilidade de comportamentos;
- b) Nível II – exige apoio substancial havendo prejuízos sociais aparentes, limitações para iniciar e manter interações, inflexibilidade de comportamento e dificuldade para lidar com mudanças;
- c) Nível III – exige muito apoio substancial, havendo déficits graves nas habilidades de comunicação social, inflexibilidade de comportamento e extrema dificuldade com mudanças.
Assim, quanto menor o grau de comprometimento do nível, melhor tende a ser o prognóstico do paciente. Já o CID-11 considera, de forma mais clara, a deficiência intelectual e a linguagem funcional, e os diferentes diagnósticos são enquadrados em função do nível de prejuízos nestas habilidades cognitivas.
Em termos gerais, os manuais DSM-IV-TR e CID-10 seguem o seguinte padrão: agrupam as diferentes características do autismo em subgrupos – ou seja, em diferentes diagnósticos com critérios distintos – e usam menos o perfil cognitivo na confirmação diagnóstica.
Já os manuais mais recentes (DSM-5 e CID-11) consideram um espectro, adotam não apenas critérios comportamentais e indicadores do desenvolvimento, mas também critérios cognitivos e de adaptação ao meio (funcionalidade/atividades da vida diária).
Alguns estudos, entretanto, verificam que a mudança dos critérios pode gerar alterações na sensibilidade diagnóstica, especialmente para diagnósticos que não eram enquadrados como autismo, mas que apresentavam prejuízos na comunicação e interação social, como a síndrome de Asperger e os transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação (Gibbs, Aldridge, Chandler, Witzlsperger, & Smith, 2012; Harstad et al., 2015; Wilson et al., 2013). Wilson et al. (2013) verificaram que estes diagnósticos, antes feitos pelo CID-10 ou DSM-IV-TR, apresentaram 44% de não diagnóstico comparando-se DSM-5 com CID-10, e 22% não se enquadraram no espectro quando comparados DSM-5 e DSM-IV-TR. Também identifica menor número de diagnóstico em idades mais jovens e diagnósticos mais leves do DSM-IV-TR, como o TID sem outra especificação a partir do DSM-5, quando comparado com DSM-IV-TR (Harstad et al., 2015). Estudo recente (Peters & Matson, 2019) também corrobora a ideia de que os diagnósticos DSM-IV-TR com critérios menos definidos não são identificados pelo DSM-5.
Os autores, porém, ressaltam que, na faixa pré-escolar, a divergência diagnóstica é menor e que, em indivíduos com sintomas mais graves, há mais concordância diagnóstica entre DSM-IV-TR e DSM-5. A sensibilidade da CID-11 ainda não foi observada.
É importante identificar o impacto dessas mudanças no diagnóstico. A retirada do atraso de linguagem, por exemplo, pode aumentar a sensibilidade do diagnóstico dos mais jovens. Destaca-se que, ao se falar em retirada do critério de linguagem, está se falando de linguagem oral, que pode ser critério para outros diagnósticos do neurodesenvolvimento. Entretanto a característica central do TEA está na linguagem pragmática, e não necessariamente na possibilidade da linguagem oral (Mousinho, 2010).
Já a ênfase nos critérios de comportamentos repetitivos e estereotipados, com aumento de um para dois itens desse padrão, pode aumentar a especificidade do diagnóstico. Kent et al (2013) propõem uma flexibilização dos subdomínios encontrados nos dois critérios do DSM-5, construindo um algoritmo diferente para aumentar a sensibilidade do manual. Logo, os critérios de comunicação social não são suficientes para o diagnóstico, quando não há presença de comportamento ritualístico (Peters & Matson, 2019; Young & Rodi, 2014).
A mudança do impacto dos critérios de comunicação social pode estar relacionada com as alterações sofridas entre os manuais. Os subdomínios do DSM-IV-TR relacionados à interação social e comunicação foram incorporados a outros subdomínios da reciprocidade socioemocional dos manuais posteriores (DSM-5 e CID-11). Dentre eles são citados a relação de companheirismo, a satisfação e o interesse pelas relações pessoais. Uma das possibilidades para explicar esse englobamento é que, no DSM-IV-TR, alguns subdomínios representavam comportamentos mais descritivos, enquanto as CIDs e o DSM-5 fazem agrupamentos mais conceituais, como o denominado “reciprocidade social emocional” e “comunicação social”.
Há um movimento similar no DSM-5 em comparação ao CID-11, em que os subdomínios “déficits nos processos de desenvolver e manter relacionamentos”, “ausências de comportamentos comunicativos não verbais” e “linguagem estereotipada” são incluídos no domínio comunicação social. No próprio DSM-5 e na CID-11 há uma tendência de agrupamentos mais conceituais e menos descritivos comportamentalmente. Nesses domínios de reciprocidade e comunicação social, são incluídos subdomínios associados a aspectos da linguagem pragmática e desempenho de habilidades sociais, como o ato de conversar adequadamente e gerenciar parcerias sociais.
Além dos critérios englobados, encontram-se subdomínios como ausência de brincadeira de faz de conta, linguagem estereotipada, repetitiva ou idiossincrática e falta de criatividade e fantasia nos processos de pensamento que foram deslocados do domínio de comunicação social para padrões estereotipados no DSM-5. A brincadeira do faz de conta e a criatividade estão mais associadas a padrões de desenvolvimento do pensamento flexível e teoria da mente (habilidade de entender perspectivas diferentes), sendo, portanto, mais bem caracterizados nos padrões estereotipados e restritos do pensamento e da ação, enquanto o domínio de comunicação se refere a padrões de desempenho de habilidades sociais e linguagem pragmática.
Nota-se, ainda, que o domínio de padrões repetitivos é o que menos apresenta alterações ao longo do desenvolvimento dos manuais, provavelmente por ser um componente mais consistente no diagnóstico e no próprio constructo cognitivo associado, no que diz respeito aos padrões inflexíveis do pensamento e da ação (Pedersen et al., 2017). Por outro lado, componentes de comunicação social e interação apresentam interface com diferentes constructos cognitivos, como o da linguagem (Tomasello, 2003;Tonietto, Wagner, Trentini, Sperb, & Parente, 2011), a teoria da mente (Brown, Thibodeau, Pierucci, & Gilpin, 2017; Smogorzewska, Szumski, & Grygiel, 2018), padrões de pensamento e socioculturais (Tonietto et al., 2011). O fato de serem permeados por diferentes contingências pode gerar dificuldades na caracterização e definição dos subdomínios, o que justificaria deslocamentos de critérios.
Instrumentos auxiliares
Os manuais nosológicos despertam questionamentos sobre como mensurar os domínios comportamentais apresentados de forma descritiva. As escalas de avaliação comportamental e a avaliação neuropsicológica nesse cenário possibilitam mensurar objetivamente tais aspectos, avaliando a gravidade e o funcionamento cognitivo.
Alguns instrumentos e modelos de avaliação são utilizados junto a esses critérios para auxiliar no diagnóstico (Seize & Borsa, 2017), como os instrumentos de rastreio, as observações sistematizadas do comportamento (Marques & Bosa, 2015) e o padrão de desenvolvimento e avaliações do perfil sociocognitivo (Demetriou et al., 2018; Fernandes, Fichman, & Barros, 2018; Happé & Frith, 2014).
As escalas de rastreio são utilizadas normalmente para um auxílio diagnóstico precoce, e a proposta é que elas sejam práticas na utilização de apoio diagnóstico. Elas atuam em sintomas que apresentam risco para a confirmação do diagnóstico e podem avaliar populações não clínicas (assintomática) e populações que já apresentam atrasos de desenvolvimento (suspeitas) (Eaves, Wingert, & Ho, 2006).
Seize e Borsa (2017) realizaram uma revisão sistemática sobre esses instrumentos no Brasil, para rastreio até 36 meses, e encontraram apenas um instrumento traduzido, o Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT), composto por 23 itens e desenvolvido a partir de sintomas presentes no autismo (Losapio & Pondé, 2006). As autoras o consideram um dos instrumentos mais adequados para rastreio. Algumas outras escalas também validadas no Brasil são: escala de avaliação de traços autísticos (ATA) composta por 23 subescalas divididas em diferentes itens (Assumpção, Kuczynski, Gabriel, & Rocca, 1999); e a Childhood Autism Rating Scale (CARS), que compreende quinze itens avaliados em escalonamento de sintomas, o que permite verificar sua gravidade (Pereira, Riesgo, & Wagner, 2008). Além destes, há a Autism Behavior Chacklist (ABC), desenvolvida a partir de uma escala mais ampla; e a Autism Screening Instrument for Educational Planning (Asiep) (Krug, Arick, &Almond, 1980). Ela é composta por 57 itens e validada no Brasil por Marteleto e Pedromônico (2005). Contudo sua sensibilidade tem sido criticada em relação à especificidade, pois identifica bem os não autistas, mas não identifica todos os autistas (Fernandes & Miilher, 2008; Marteleto & Pedremônico, 2005, Miranda-Linné & Melin, 2002)
Quanto aos modelos de entrevista/observação desenvolvidos ou validados no Brasil, alguns exemplos são: Protocolo de Avaliação Comportamental para Crianças com Suspeita de Transtorno do Espectro Autista (Protea), um instrumento que utiliza entrevista com pais e a observação de três dimensões do TEA:
1) interação social, linguagem e comunicação;
2) relação com os objetos e brincadeiras;
3) comportamento estereotipado e autolesivo (Bosa, Zanon, & Backes, 2016; Marques & Bosa, 2015).
Nesta mesma linha, destaca-se o protocolo de Indicadores clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) (Kupfer et al, 2008). Seguindo uma proposta diferente dos outros protocolos, o IRDI identifica risco psíquico no desenvolvimento, dentre eles o autismo. Campana, Lerner & David (2015), após avaliarem 43 bebês de 18 meses, comparando M-CHAT e Irdi, identificaram que o protocolo IRDI também sinaliza risco para o autismo. O IRDI tem sido muito utilizado em pesquisas, tendo sido incluído na Caderneta de Saúde da Criança (Kupfer & Bernardino, 2018). É formada por 31 indicadores, observados nas faixas de 0-4 meses, 4-8 meses, 8-12 meses e 12-18 meses (Mota et al., 2015).
Julieta Jerusalinsky (psicanalista, especialista em estimulação precoce, pesquisadora do IRDI). Ainda hoje em dia é frequente que cause surpresa a noção de que um bebê pode sofrer psiquicamente e que esse sofrimento tem consequências diretas em seu desenvolvimento. Por isso é preciso transmitir aos profissionais que intervém com todo e qualquer bebê (no ensino infantil e acompanhamento do desenvolvimento) indicadores por meio dos quais é possível ler na produção espontânea do bebê o modo como ele vêm se constituindo psiquicamente. Desse modo podemos passar a detectar precocemente se algo não vai bem a fim de intervir para favorecer a estruturação do bebê, em lugar de deixar o tempo passar à espera de desfechos patológicos.
O instrumento IRDI permite tal transmissão, por isso o curso aborda o instrumento IRDI como ferramenta que permite a precoce detecção de sofrimento psíquico em bebês: antes que o mesmo se configure como uma patologia definida. Tal instrumento, ao ser desenhado partindo de produções que são de se esperar em bebês, introduz, no acompanhamento do desenvolvimento dos mesmos, operações constituintes, permitindo uma intervenção que favorece a estruturação do bebê e do exercício da função materna.
Alfredo Jerusalinsky (psicanalista, coordenador científico da Pesquisa IRDI/AP3) criou o Instrumento AP3+AI. O AP3+AI é um instrumento desenhado para tornar transmissíveis e aplicáveis algumas das contribuições psicanalíticas à intervenção interdisciplinar com o desenvolvimento da pequena criança (entre 3-6 anos). Para intervir com a infância é preciso levar em conta a complexidade implicada no desenvolvimento: dado que as diferentes aquisições instrumentais – de linguagem, psicomotricidade, hábitos e aprendizagem – não são autônomas, apoiando-se não só nos aspectos orgânicos de base, mas também na estruturação psíquica da pequena criança na relação com o outro (familiar, terapêutico, escolar e cultural).
Por isso o AP3+AI possibilita aos profissionais de equipes interdisciplinares contarem com um instrumento que convoca a uma leitura clínica acerca de como os passos lógicos implicados no processo de estruturação psíquica da pequena criança (entre 3 e 6 anos) comparecem em sua produção em um cruzamento entre os aspectos estruturais e instrumentais, oferecendo referências para:
1.O acompanhamento do processo de estruturação psíquica da pequena criança que tem consequências para as aquisições que fazem parte do desenvolvimento;
2.A detecção de dificuldades que podem surgir ao longo desse processo, considerando que a estrutura não está decidida na infância e, portanto, que é preciso detectar quando algo não vai bem para poder intervir a fim de favorecer essa estruturação;
3.O registro da evolução clínica com indicadores norteadores para a elaboração do plano terapêutico;
Embasado no roteiro de avaliação psicanalítica AP3 (que foi estabelecido durante a pesquisa que deu lugar à validação do Instrumento IRDI), o INSTRUMENTO AP3+AI é resultado de um trabalho conjunto em equipe interdisciplinar para passar do formato de um roteiro ao formato de um Instrumento estruturado por indicadores que permitem:
1.Não restringir sua aplicação apenas por psicanalistas, habilitando para sua aplicação todos os profissionais da equipe interdisciplinar em saúde, educação e assistência que partilham do paradigma das contribuições psicanalíticas ao campo do desenvolvimento infantil;
2.Uma detecção do que não vai bem na estruturação psíquica de modo não patologizante, ao oferecer indicadores desenhados para transmitir o que precisa se estruturar na pequena criança em um cruzamento entre a inscrição dos tempos lógicos da estruturação do sujeito e o seu comparecimento em produções esperadas dentro de determinados momentos cronológicos do desenvolvimento considerado dentro da época e cultura à qual a criança pertence.
Os indicadores do instrumento AP3+AI são estabelecidos a partir de 5 formações do inconsciente fundamentais para o sujeito na infância e, por isso, considerados como eixos norteadores da avaliação psicanalítica de uma pequena criança.
São eles: brincar e estatuto da fantasia; fala e posição do sujeito na linguagem; imagem corporal; função da lei e relação com o semelhante; aprendizagem e curiosidade (que articula as operações lógicas ao desejo de saber da pulsionalização epistêmica). Situando os seus fundamentos e seus decorrentes indicadores de forma articulada a vinhetas de casos, propondo aos profissionais que intervém com a infância (nos campos de saúde, assistência e educação), adentrar em uma lógica de leitura clínica das produções da criança como uma resposta a um contexto familiar, escolar e cultural, partindo do paradigma de que a estrutura não está decidia na infância, o que torna necessário intervir em equipe interdisciplinar quando se detectam dificuldades para favorecer a estruturação, em lugar de produzir precipitações psicodiagnósticas que encerram as crianças em classificações nosográficas e/ou apressadas prescrições medicamentosas.
O Protocolo PREAUT criado pela pesquisadora Marie-Christine Laznik com um grupo de pesquisadores multidisciplinares na França, em 1998, possibilita a identificação de sinais de risco para autismo em bebês a partir de 4 meses de idade, portanto o PREAUT avalia precocemente o desenvolvimento do bebe do que a escala M-CHAT que avalia a o bebe a partir dos 18 meses. A capacitação de profissionais da saúde e da educação, para o uso deste instrumento, favorecerá a identificação de bebês em risco, o encaminhamento para a intervenção e um futuro diferente.
O PREAUT mostrou fidelidade e especificidade com esta pesquisa, que faz um follow up dos bebês até os 4 anos e meio, passando por todos os exames americanos tradicionais. O diagnóstico destas crianças, examinadas aos nove meses, é indubitável. Se juntarmos o espectro autístico clássico ao que agora está no DSM-5-TR o espectro como atraso grave e global de desenvolvimento e linguagem, a especificidade é de 100%; se tomarmos apenas o espectro mais clássico, são mais de 80%.
O Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS), também composto por entrevista e observação, a partir de quatro módulos correspondentes ao comportamentos de comunicação expressiva e social (Pacífico et al., 2019); e a Autism Diagnostic Interview-Revised (ADIS-R), entrevista com 93 questões referentes aos marcos de desenvolvimento e áreas de sintomatologia do TEA (Becker, 2009). Todos avaliam interação social, atenção compartilhada, brincadeira simbólica, uso de linguagem e exigem maior treinamento de profissionais (Marques & Bosa, 2015).
O diagnóstico dos casos suspeitos de TEA pode ser realizado tanto com base na observação comportamental dos critérios dos sistemas de classificação quanto por meio do uso de instrumentos validados e fidedignos, que permitem ao profissional traçar um perfil refinado das características de desenvolvimento da criança.
Na literatura internacional, figuram dois instrumentos considerados “padrão-ouro” para o diagnóstico: a Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R) (Lord, Rutter, & Le Couteur, 1994) e o Autism Diagnostic Observation Schedule-Generic (ADOS) (Lord, Rutter, Dilavore, & Risi, 1999), ambos em fase inicial de validação no Brasil.
A Editora Hogrefe em 2023, lançou a publicação traduzida para o português do ADOS-2. Trata-se de uma escala que baseia a sua administração num conjunto de atividades estandardizadas, que permitem ao examinador observar comportamentos relevantes para o diagnóstico da TEA a partir dos 12 meses. A partir desta avaliação semiestruturada e estandardizada é possível analisar o comportamento do sujeito relativamente à comunicação, à interação social e ao jogo/uso imaginativo de materiais, assim como a presença de comportamentos restritos e repetitivos. É composta por cinco módulos de avaliação, que permitem avaliar sujeitos com idades, níveis de desenvolvimento e competências de linguagem distintas. A seleção do módulo a administrar baseia-se na idade cronológica do sujeito e nas suas competências de linguagem expressiva. A adaptação do ADOS-2 para língua portuguesa foi realizada por Maria de Lurdes Gonçalves, Rui Botelho, Justino Gonçalves e Carla Ferreira.
- Módulo T – Destina-se a crianças entre os 12 e os 30 meses de idade que não usam, de forma consistente, frases no discurso. O seu foco são as crianças sem linguagem expressiva e as crianças que apresentam um nível básico de linguagem (i.e., que recorrem a palavras isoladas ou a frases simples).
- Módulo 1 – Destina-se a crianças a partir dos 31 meses que não utilizam, de forma consistente, um discurso com frases. Também neste módulo, o alvo da avaliação são as crianças sem linguagem expressiva e as crianças que apresentam um nível básico de linguagem (i.e., que recorrem a palavras isoladas ou a frases simples).
- Módulo 2 – Destina-se a crianças de qualquer idade e com um discurso com frases, mas que não são fluentes verbalmente.
- Módulo 3 – Destina-se a crianças e jovens adolescentes que tenham uma linguagem expressiva fluente.
- Módulo 4 – Destina-se a adolescentes e adultos, com uma linguagem expressiva fluente.
A avaliação dos sujeitos é feita através de um conjunto de atividades, adequadas à idade e ao propósito da avaliação. Todo o material de estímulo necessário faz parte do Kit ADOS-2.
A Escala de Responsividade Social – SRS-2 é uma escala destinada a mensurar sintomas associados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), bem como a classificá-los em níveis leves, moderados ou severos. Sua avaliação se faz de forma global e específica, já que agrupa os sintomas em subcategorias (Escalas Compatíveis ao DSM-5 e Subescalas de Intervenção).
A avaliação do autismo é substancialmente clínica e o profissional deve utilizar de diferentes recursos para compor o seu processo de avaliação. Esse instrumento pode ser utilizado para iniciar processos diagnósticos (rastreio) e para o planejamento de intervenções clínicas e ocupacionais. Desta forma, a escala é uma ferramenta importante para o raciocínio clínico do profissional, apoiando sua tomada de decisão. Público-Alvo: Destina-se a avaliar crianças (a partir de dois anos e meio), adolescentes e adultos.
Além disso, deve-se considerar a avaliação neuropsicológica, pois a literatura descreve perfis neuropsicológicos condizentes com TEA que envolvem:
- a) alterações em Teoria da Mente (ToM) no que diz respeito à falsa crença (Baron-Cohen, Leslie, & Frith, 1985);
- b) domínios de funções executivas, como memória de trabalho (Barendse et al., 2018; Faja & Dawson, 2014), controle inibitório (Schmitt, White, Cook, Sweeney, & Mosconi, 2018) e flexibilidade cognitiva (Leung & Zakzanis, 2014).
Neste contexto, as funções executivas junto ao funcionamento cognitivo global (QI) caracterizariam o perfil cognitivo e auxiliariam na identificação de gravidade dos sintomas (Constantino & Charman, 2016; Polyak, Kubina, & Girirajan, 2015), mas não conseguiriam definir de forma sensível o diagnóstico (Fernandes et al., 2018; Losh et al., 2009).
Tecnologias diagnósticas em desenvolvimento
O diagnóstico precoce do autismo possibilita intervenções mais cedo, favorecendo o desenvolvimento das habilidades comprometidas e proporcionando uma adaptação melhor para o indivíduo e sua família. O diagnóstico em idades cada vez mais precoces, entretanto, é um desafio.
A Academia Americana de Pediatria (AAP) preconiza que seja realizada vigilância, estando alerta às queixas familiares e executando rastreamento por meio da utilização de instrumentos padronizados para avaliação do risco (James, Pizur-Barnekow, & Schefkind, 2014). Os critérios de autismo no DSM-IV-R foram validados para crianças a partir de três anos de idade, todavia há literatura indicando a possibilidade de diagnóstico em crianças mais novas, com ênfase na importância das intervenções precoces. Neste contexto, marcadores biológicos que antecipem as manifestações comportamentais têm sido objetos de estudos. Yang et al. (2018) identificaram proteínas que podem ser biomarcadores no sangue; Chen, Yang, Wu, Chuang, & Huang (2019) avaliaram a relação de TEA com biomarcadores de imagens de ressonância magnética, enquanto outro estudo (Del Valle Rubido et al., 2018) avaliou diversos biomarcadores e sua correlação com medidas de avaliação clínica. Contudo ainda não existem marcadores biológicos comprovados para o diagnóstico do autismo.
Técnicas computacionais também vêm sendo utilizadas para identificar anormalidades em áreas do cérebro, utilizando modelos preditivos em imagens de ressonância magnética (Li, Liu, Sun, Shen, & Wang, 2018) ou eletroencefalograma (Bosl, Tager-Flusberg, & Nelson, 2018). Outra possibilidade são as técnicas que combinam informações de diferentes fontes de avaliação para melhorar o desempenho preditivo (Zhao, Qiao, Shi, Yap, & Shen, 2017). As abordagens incluem a tecnologia de rastreamento ocular para avaliar a preferência por imagens geométricas dinâmicas em crianças com idade entre 14 e 42 meses, sugerindo um tempo de fixação maior nestas imagens em crianças com TEA (Pierce, Conant, Hazin, Stoner, & Desmond, 2011).
Já a partir do DSM-5, o Autismo passa a ser chamado de Transtorno do Espectro do Autismo, classificado como um dos Transtorno do Neurodesenvolvimento, caracterizado pelas dificuldades de comunicação e interação social e também os comportamentos restritos e repetitivos.
Critérios diagnósticos do DSM-5-TR Transtorno do Espectro Autista
Neste manual diagnóstico, o TEA fica classificado como 299.00 Transtorno do Espectro Autista.
Especificar se:
- Associado a alguma condição médica ou genética conhecida, ou a fator ambiental; Associado a outro transtorno do neurodesenvolvimento, mental ou comportamental;
- Especificar a gravidade atual para Critério A e Critério B: Exigindo apoio muito substancial, Exigindo apoio substancial, Exigindo pouco apoio;
- Especificar se: Com ou sem comprometimento intelectual concomitante, com ou sem comprometimento da linguagem;
- Os critérios são divididos em A, B, C, D e E com alguns pontos específicos dentro deles. Vamos ver cada um deles separadamente.
CRITÉRIO A
Déficits persistentes na comunicação e interação social em vários contextos como:
Limitação na reciprocidade emocional e social, com dificuldade para compartilhar interesses e estabelecer uma conversa;
Limitação nos comportamentos de comunicação não verbal usados para interação social, variando entre comunicação verbal e não verbal pouco integrada e com dificuldade no uso de gestos e expressões faciais;
Limitações em iniciar, manter e entender relacionamentos, com variações na dificuldade de adaptação do comportamento para se ajustar nas situações sociais, compartilhar brincadeiras imaginárias e ausência de interesse por pares.
CRITÉRIO B
Padrões repetitivos e restritos de comportamento, atividades ou interesses, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes itens, ou por histórico prévio:
Movimentos motores, uso de objetos ou fala repetitiva e estereotipada (estereotipias, alinhar brinquedos, girar objetos, ecolalias);
Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a padrões e rotinas ritualizadas de comportamentos verbais ou não verbais (sofrimento extremo a pequenas mudanças, dificuldade com transições, necessidade de fazer as mesmas coisas todos os dias);
Interesses altamente restritos ou fixos em intensidade, ou foco muito maiores do que os esperados (forte apego ou preocupação a objetos, interesse preservativo ou excessivo em assuntos específicos);
Hiper ou Hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesses incomuns por aspectos sensoriais do ambiente (indiferença aparente a dor/temperaturas, reação contrária a texturas e sons específicos, fascinação visual por movimentos ou luzes).
CRITÉRIO C
Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, porém eles podem não estar totalmente aparentes até que exista uma demanda social para que essas habilidades sejam exercidas, ou podem ficar mascarados por possíveis estratégias de aprendizado ao longo da vida.
CRITÉRIO D
Esses sintomas causam prejuízos clínicos significativos no funcionamento social, profissional e pessoal ou em outras áreas importantes da pessoa.
CRITÉRIO E
Esses distúrbios não são bem explicados por deficiência cognitiva e intelectual ou pelo atraso global do desenvolvimento.
Critérios diagnósticos da CID-11 – Transtorno do Espectro Autista
Na Classificação Internacional de Doenças Mentais – ONU – CID-11 que foi lançado em janeiro de 2022, o Transtorno do Espectro do Autismo é identificado pelo código 6A02 em substituição ao F84.0, e as subdivisões passam a estar relacionadas com a presença ou não de Deficiência Intelectual e/ou comprometimento da linguagem funcional.
De acordo com as subdivisões, o TEA (6A02), na CID 11, é classificado como:
6A02.0 – Transtorno do Espectro do Autismo sem Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional.
Todos os indivíduos devem atender aos critérios para TEA, não apresentarem Transtorno do Desenvolvimento Intelectual, havendo apenas leve ou nenhum comprometimento no uso da linguagem/comunicação funcional, seja através da fala, seja através de outro recurso comunicativo (como imagens, textual, sinais, gestos ou expressões).
6A02.1 – Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional.
Todos os indivíduos devem atender aos critérios para TEA e Transtorno do Desenvolvimento Intelectual associados a leve ou nenhum comprometimento no uso da linguagem/comunicação funcional, seja através da fala, seja através de outro recurso comunicativo (como imagens, textual, sinais, gestos ou expressões).
Desenvolvimento Intelectual e linguagem funcional fazem parte das novas subdivisões:
6A02.2 – Transtorno do Espectro do Autismo sem Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e com linguagem funcional prejudicada.
Todos os indivíduos devem atender aos critérios para TEA, não apresentarem Transtorno do Desenvolvimento Intelectual, havendo, porém, prejuízo acentuado na linguagem/comunicação funcional em relação ao esperado para a sua faixa etária, seja através da fala (não podendo fazer uso mais do que palavras isoladas ou frases simples), seja através de outro recurso comunicativo (como imagens, textual, sinais, gestos ou expressões).
6A02.3 – Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e linguagem funcional prejudicada.
Todos os indivíduos devem atender aos critérios para TEA e Transtorno do Desenvolvimento Intelectual associados a prejuízo acentuado na linguagem/comunicação funcional em relação ao esperado para a sua faixa etária, seja através da fala (não podendo fazer uso mais do que palavras isoladas ou frases simples), seja através de outro recurso comunicativo (como imagens, textual, sinais, gestos ou expressões).
6A02.5 – Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e ausência de linguagem funcional.
Todos os indivíduos devem atender aos critérios para TEA e Transtorno do Desenvolvimento Intelectual associados à ausência de repertório e uso de linguagem/comunicação funcional, seja através da fala, seja através de outro recurso comunicativo.
6A02.Y – Outro Transtorno do Espectro do Autismo especificado
6A02.Z – Transtorno do Espectro do Autismo, não especificado
Importante destacar que o código “6A02.4 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI) e com ausência de linguagem funcional” ficou de fora da versão final da CID-11.
As subdivisões do TEA na CID 11 permitem maior compreensão da funcionalidade do indivíduo com TEA, um ganho quando pensamos especialmente na importância de diagnósticos e intervenções precoces e assertivas no Transtorno do Espectro Autista (WHO, 2018).
Níveis de suporte e gravidade para o TEA
Ainda dentro dos critérios diagnósticos do DSM-5-TR para autismo, estão presentes os níveis de gravidade ou necessidade de suporte para as atividades da vida diária.
A partir da 5ª edição, o TEA passa a ser dividido em 3 níveis diferentes: leve, moderado e severo.
Os indivíduos diagnosticados no nível leve de TEA com pouco suporte, precisam de atendimentos da área de saúde como: avaliação e acompanhamento com neurologista ou psiquiatra, psicoterapia, terapia ocupacional, nutricionista, dependendo das áreas que estejam deficitárias. O autismo nunca vem sozinho trás diversas comorbidades no quadro como ansiedade, depressão, TDAH, transtornos motores, transtornos sensoriais, alterações alimentares, dentre outros. A classificação leve indicada o nível de autonomia e independência que a pessoa possa ter. Portanto, TEA ou autismo “leve” , não quer dizer que a pessoa não precise de ajuda de profissionais de saúde.
Na CID-11 (última versão deste manual 2022) os diagnósticos de autismo passam a fazer parte dos Transtornos do Espectro do Autismo (6A02), que podem ser identificados das seguintes formas:
Nível 1 de suporte
Em geral, são pessoas que lidam com dificuldades para manter e seguir normas sociais, apresentam comportamentos inflexíveis e dificuldade de interação social desde a infância.
Podem ser mais difíceis de serem diagnosticados pelo masking, estratégia adotada por muitas pessoas com TEA desde a infância para evitarem bullying, sofrimento psicológico e estresse.
No masking, as pessoas com TEA tentam, a partir da imitação do comportamento de pessoas neurotípicas, esconderem o transtorno e se comportarem da forma que a sociedade espera. Ao longo da vida, autistas que tiveram que recorrer a estratégia para se sentirem seguros sentem ainda mais dificuldade de se expressar livremente, precisando de apoio psicológico para desfazer os efeitos negativos do masking.
Mesmo que tenham um nível maior de autonomia para algumas tarefas, vale lembrar que o autista de suporte 1 não é “menos” autista do que uma pessoa de suporte 2 ou 3.
O autista de nível 1 sente impactos consideráveis do transtorno em seu cotidiano, e continua precisando de terapias e acompanhamento profissional.
Níveis de suporte 2 e 3 apresentam déficits mais marcantes na comunicação.
Nível 2 de suporte
Em geral, apresentam comportamento social atípico, rigidez cognitiva, dificuldades de lidar com mudanças e hiperfoco (interesse intenso por determinados objetos, pessoas ou temas).
Nesse nível do espectro, o autista demonstra déficits marcantes na conversação, com respostas reduzidas ou consideradas atípicas. As dificuldades de linguagem são aparentes mesmo quando a pessoa tem algum suporte, e a sua iniciativa para interagir com os outros é limitada.
Nível 3 de suporte
Nestes casos, os indivíduos têm dificuldades graves no seu cotidiano e déficit severo de comunicação, com uma resposta mínima a interações com outras pessoas e a iniciativa própria de conversar muito limitada. Também podem adotar comportamentos repetitivos, como bater o corpo contra uma superfície ou girar, e apresentarem grande estresse ao serem solicitados a mudarem de tarefa.
Autistas nível 2 e 3 de suporte também apresentam uma incidência maior de comorbidades, como depressão, TDAH, TOC, ansiedade, epilepsia, distúrbios do sono, dificuldades de fala, distúrbios gastrointestinais, deficiência intelectual e dificuldades de coordenação motora.
Nível de suporte não resume o autista porque transtorno se manifesta em cada indivíduo de forma diferente.
Vale lembrar que o nível de suporte não consegue definir o autista por completo. Autistas de nível 3 de suporte podem escrever um livro com ajuda de comunicação aumentada, por exemplo, mas não conseguirem ir ao banheiro ou tomarem banho sem ajuda.
Autistas de nível 1 podem ter dificuldades consideráveis de socialização e aprendizado, mesmo que grande parte das pessoas nesse nível do espectro tenha mais autonomia.
Outro exemplo de como cada pessoa com TEA precisa ser analisada de forma personalizada é a deficiência intelectual.
Nem todo autista não verbal possui deficiência intelectual, assim como nem toda pessoa nível 1 de suporte possui altas habilidades e superdotação.
Apenas o acompanhamento terapêutico a longo prazo pode ajudar cada pessoa autista a conhecer a sua individualidade e múltiplas capacidades.
Será recomendável na emissão do diagnóstico de TEA utilizar os critérios diagnósticos da CID-11 e também do DSM-5-TR, esclarecendo a condição de funcionalidade, nível de suporte e possíveis comorbidades presentes.
Considerações
Este artigo aborda a evolução do diagnóstico do autismo com base em manuais diagnósticos. Verificam-se as alterações no percurso desse diagnóstico primeiro no contexto psiquiátrico até sua definição como transtorno do neurodesenvolvimento infantil.
Entender as mudanças e a evolução desses critérios dá margem a discussões quanto às possibilidades de impacto na epidemiologia do transtorno, bem como diferentes instrumentos que podem compor e apurar o processo de avaliação, como utilização de escalas, avaliações cognitivas e novas tecnologias.
Vários estudos discutem diferenças na identificação do diagnóstico, em especial quando se comparam DSM-IV-TR e DSM-5. Estes estudos não são totalmente convergentes em seus dados, mas mostram, de forma um pouco mais consistente, que o DSM-5 identifica menor número de diagnósticos quando comparado com o DSM-IV-TR, talvez em função da maior sensibilidade de seus critérios.
O DSM-5 não identifica da mesma forma os outros diagnósticos que não cumpriam todos os critérios para autismo existentes no DSM-IV-TR, como o TID sem outra especificação ou diagnósticos com sintomas mais leves. Entretanto esses índices de identificação se aproximam na faixa pré-escolar, talvez em função dos sintomas nessa faixa etária serem mais evidentes. Além disso, houve mudanças importantes no critério de comunicação social, com englobamentos ou deslocamentos de sintomas e maior ênfase no critério de movimentos ritualísticos/estereotipados.
Em relação ao processo de avaliação, os novos critérios podem se beneficiar de outros instrumentos, como escalas, que esclarecem melhor determinados comportamentos, e as novas tecnologias, que podem trazer melhor objetividade ao diagnóstico clínico. Mas também serão necessárias, considerando os novos critérios cognitivos citados pelo CID-11, avaliações cognitivas de linguagem e de funcionamento cognitivo global.
O DSM-5 já traz os déficits cognitivos como comorbidades que implicam na gravidade dos sintomas, contudo o CID-11 aponta o funcionamento cognitivo como critérios de subclassificações dentro do espectro.
Compreender a evolução dos critérios diagnósticos tende a promover desenvolvimento da avaliação clínica no que diz respeito à construção de algoritmos cada vez mais apurados e consistentes. Isso potencializa a antecipação do diagnóstico e as intervenções necessárias para um melhor prognóstico.
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