Condição tem ganhado mais atenção não só pelos casos em crianças como entre adultos
Uma condição da qual se ouvia falar muito pouco até o início desse século, agora parece ser mais frequente entre crianças – e mesmo entre adultos – que se descobrem autistas. Cada vez mais, lemos na internet sobre algum famoso que se descobriu dentro do espectro, e que agora entende por que enfrenta algumas dificuldades desde a infância.
O transtorno do espectro autista (TEA) reúne desordens do desenvolvimento neurológico presentes desde o nascimento ou começo da infância. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5, pessoas dentro do espectro podem apresentar déficit na comunicação ou interação social (como nas linguagens verbal ou não verbal, e na reciprocidade socioemocional) e padrões restritos e repetitivos de comportamento — como movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos.
Todos as pessoas com TEA partilham dessas dificuldades, mas com intensidades diferentes. Segundo o DSM-5, os distúrbios são rotulados como um espectro justamente por se manifestarem em diferentes níveis.
Uma pessoa diagnosticada como de grau 1 de suporte apresenta prejuízos leves, que podem não a impedir de estudar, trabalhar e se relacionar. Já o indivíduo com grau 2 tem menos independência e necessita de algum auxílio para desempenhar funções cotidianas, como tomar banho ou preparar sua refeição. E a pessoa com grau 3 manifesta dificuldades graves, normalmente necessitando de apoio especializado ao longo da vida.
As causas do TEA são pouco conhecidas, e as pesquisas buscam uma predisposição genética analisando mutações espontâneas ou a “herança” passada de pais para filhos. No entanto, há poucas evidências das causas hereditárias. Outros fatores, como ambientais que impactam o feto, estresse, infecções, exposição a substâncias tóxicas, complicações durante a gravidez e desequilíbrios metabólicos teriam algum peso no aparecimento da condição.
Os primeiros sinais podem surgir já nos primeiros meses de vida, mas são difíceis de serem verificados. Em geral, o diagnóstico é feito entre 1 e 2 anos. Quanto mais cedo, melhor é o resultado do tratamento. A terapia comportamental, que nas minhas décadas como pediatra parece ter melhores resultados, é iniciada mais precocemente e os pais são treinados desde cedo sobre como agir.
Atuo junto a uma organização social chamada Autismo e Realidade. E é impressionante como pais, profissionais de saúde e gestores públicos estão ávidos por informação. Hoje, essa entidade tem como prioridade a pesquisa e a geração de conhecimento. Difunde materiais didáticos de fácil entendimento e articulando via advocacy com outras organizações.
Nestes últimos anos realizaram pesquisas, com o Ministério da Saúde, para desenvolver uma ferramenta de detecção precoce do autismo antes do primeiro ano de vida, por meio dos movimentos oculares. Foram avaliadas mais de mil crianças, triadas com testes psicológicos tradicionais, abordagem neuropediátrica e o registro do movimento dos olhinhos de acordo com um protocolo de estímulos. Os resultados ainda não foram publicados, mas acenam com a esperança de uma ferramenta utilíssima ao diagnóstico.
Estão elaborando, também, uma metodologia simplificada de terapia comportamental para ser usada no SUS e na medicina suplementar já que, hoje, essa é uma das maiores causas de judicialização na saúde infantil. O custo social para a criança podemos dimensionar. O impacto nas famílias brasileiras, também. Mas precisamos olhar com atenção ao custo financeiro, quando só lares mais esclarecidos conseguem na Justiça algum auxílio.
Passou da hora de criarmos um “colchão social” para receber essas crianças, que em alguns anos serão adolescentes, depois adultos e idosos. Precisamos ter escolas, serviços médicos e de assistência para dar condições à população estimada em 2 a 5% das crianças.
FONTE: JORNAL O GLOBO / José Luiz Setúbal